Época de vindimas. Uma azáfama
tremenda! Após um árduo ano de trabalho, chega o momento de recolher da videira
as preciosas uvas que, depois de esmagadas, farão um dos produtos que mais caracteriza
a região e, ao mesmo tempo, muito apreciado em Portugal e além fonteiras, o
vinho.
As semanas anteriores à colheita
das uvas são de preparativos. Começa-se por lavar as vasilhas de transporte, as
cubas e os lagares. É tempo também de contratar (rogar) o pessoal para a
colheita. É necessário ter uma boa equipa de trabalho para aproveitar o bom
tempo. As uvas devem ser colhidas, de preferência, com o tempo seco, e em
Setembro começam as primeiras chuvas.
Num meio rural, onde predominam
as pequenas explorações, a mão-de-obra é, normalmente, familiar, ajudando-se
uns aos outros para assim reduzir as despesas. Nas quintas de maior dimensão,
com explorações de vários hectares, a mão-de-obra é contratada, o que leva a
procurar, até mesmo a disputar entre as quintas, os melhores trabalhadores
entre a população existente. Por vezes é necessário recorrer às aldeias
vizinhas para se garantir a mão-de-obra necessária.
A vindima de hoje já não é a
mesma de outros tempos. Ainda me lembro da personagem do “despejador”. Este não
era mais, como o nome indica, do que a pessoa que despejava os baldes dos
restantes trabalhadores. Quando a pessoa que vindimava enchia o balde que
trazia, gritava “DESPEJADOOOOOR”, e este corria para despejar o balde e assim
não se perder tempo.
Lembro, também, como se
transportavam as uvas da vinha para o lagar. Com carroças de tração animal,
burro ou junta de bois, as uvas eram transportadas em dornas de madeira que
haviam sido previamente embuchadas em água para que não vertessem. Na vinha, as
uvas eram despejadas dos baldes para as gamelas de madeira, que depois eram
transportadas à cabeça pelas mulheres até à dorna que se encontrava na carroça.
Depois da vindima feita, à noite,
enquanto as mulheres faziam o jantar, era o momento de os homens entrarem no
lagar e começar a pisar as uvas com os pés descalços. Este era um trabalho
moroso, pois as uvas tinham de ser completamente esmagadas, o que levava o seu
tempo. Para passar o tempo enquanto se pisava, contavam-se anedotas, faziam-se
jogos, ou falava-se da vida. Recordo o jogo do malhal. Este consistia em andar
ao ombro com uma prancha de madeira bastante pesada, ao mesmo tempo que se
jogava ao “Juiz”. Este jogo era composto por uma lengalenga, “Na rua do Porto
matou-se um gato, quem há-de dar conta dele é o Sr. Bilharquito …” Quem perdia
o jogo tinha de pegar na prancha de madeira. Assim, a prancha ia passando de
ombro em ombro. Jogava-se também ao 27. O objectivo era começar uma contagem do
zero até ao vinte e sete, cada homem podia usar o número dois ou o três, o primeiro
a jogar, como se começava do zero, dizia ou dois ou três, o seguinte somava ao
valor dito pelo anterior mais dois ou três, e assim sucessivamente, o que
ultrapassa-se o número vinte e sete, perdia e já não jogava no próximo jogo. O
jogo terminava quando já só estavam dois em jogo e um deles passava o número e
perdia.
Após a pisa e esmagamento das
uvas, durante os dias seguintes, normalmente três a quatro dias, os homens
voltavam ao lagar para mergulhar o vinho, isto era feito duas vezes ao dia.
Como nos dias seguintes as uvas começavam a fermentação alcoólica,
transformando os açúcares em álcool, as cascas das uvas vinham à superfície e o
líquido ficava por baixo destas. Mergulhar o vinho não era mais que fazer com
que as Cascas das uvas fossem mergulhadas na parte liquida que se encontrava
por baixo. Dizia-se que quanto mais se mergulhasse o vinho, mais cor ele teria,
daí alguns dizerem que iam dar cor ao vinho.
Ao fim deste processo, o sumo da
uva, já transformado em álcool, era retirado do lagar e metido nos túneis de
madeira, onde ficaria vários meses num novo processo de fermentação
(fermentação maloláctica). Dizia-se que o vinho estava na mãe, enquanto não
fosse trasfegado e retirada a borra.
Em todos estes processos, o agricultor,
não fazia analises ao vinho. Vivia-se um pouco da sorte. Nalguns anos o vinho
azedava e lá se ia o trabalho de um ano inteiro. Quando as coisas corriam bem,
na maioria das vezes era isso que acontecia, os agricultores, em conversa na
taberna, falavam dos seus vinhos para os amigos. Para se provar a qualidade,
faziam-se umas visitas pelas adegas de cada um para se verificar a qualidade
dos vinhos. Está visto que no final da visita vínica a alegria era muita entre
os participantes. Nesta época, dava-se mais importância à quantidade produzida
do que à qualidade. Dizia-se que determinada pessoa teve “x” almudes de vinho a
mais que o ano anterior ou que o vizinho do lado.
O vinho foi sempre um produto
muito importante na economia nacional. Durante o Estado Novo ficou celebre a
frase: “Beber vinho é dar de comer a um
milhão de portugueses”. Cada um de nós pode interpretar esta frase à sua
maneira, mas, naquela época, ela queria dizer que o vinho era muito importante
na sociedade, pois dava trabalho, sustentava famílias, era um bem muito
importante na vida económica e social do país. Quanto mais se consumisse mais
se teria de produzir e assim mais famílias teriam trabalho.
Ao escrever este texto são tantas
as recordações de momentos e de pessoas, algumas já falecidas, que recordo com
tanto carinho. Pessoas que toda a vida viveram na terra e da terra, o seu único
sustento era o que a terra lhes dava, quer fosse em géneros ou em dinheiro,
fruto do seu trabalho. Pessoas humildes, sempre prontas a ajudar o próximo, que
mais não ambicionavam do que viver o dia-a-dia com saúde e trabalho. No
inverno, quando chovia muito, não havia trabalho nos campos, os dias eram
passados em casa, na taberna a conversar com os amigos ou então a fazer alguma
tarefa que pudesse ser feita debaixo de áreas cobertas, como rachar lenha, ou,
para aqueles que sabiam outras artes, fazer peças de artesanato.
Hoje, os tempos são outros, as
vindimas são feitas com métodos mais modernos, rápidos e eficazes. Deixou de se
explorar a quantidade em detrimento da qualidade. O mercado assim o exige.
Surgiram grandes casas agrícolas com adegas bem equipadas, com vinhas plantadas
ordenadamente, com boa exposição solar, vinhas estas com castas seleccionadas
para que o vinho seja de boa qualidade.
Actualmente, as vindimas, são
feitas com métodos mais modernos, mais rápidos e mais higiénicos. Com isto,
ganhou-se qualidade e tempo... perdeu-se o ambiente festivo e humano que as
caracterizava.