terça-feira, 28 de outubro de 2014

As vindimas

                                      
Época de vindimas. Uma azáfama tremenda! Após um árduo ano de trabalho, chega o momento de recolher da videira as preciosas uvas que, depois de esmagadas, farão um dos produtos que mais caracteriza a região e, ao mesmo tempo, muito apreciado em Portugal e além fonteiras, o vinho.
As semanas anteriores à colheita das uvas são de preparativos. Começa-se por lavar as vasilhas de transporte, as cubas e os lagares. É tempo também de contratar (rogar) o pessoal para a colheita. É necessário ter uma boa equipa de trabalho para aproveitar o bom tempo. As uvas devem ser colhidas, de preferência, com o tempo seco, e em Setembro começam as primeiras chuvas.
Num meio rural, onde predominam as pequenas explorações, a mão-de-obra é, normalmente, familiar, ajudando-se uns aos outros para assim reduzir as despesas. Nas quintas de maior dimensão, com explorações de vários hectares, a mão-de-obra é contratada, o que leva a procurar, até mesmo a disputar entre as quintas, os melhores trabalhadores entre a população existente. Por vezes é necessário recorrer às aldeias vizinhas para se garantir a mão-de-obra necessária.

A vindima de hoje já não é a mesma de outros tempos. Ainda me lembro da personagem do “despejador”. Este não era mais, como o nome indica, do que a pessoa que despejava os baldes dos restantes trabalhadores. Quando a pessoa que vindimava enchia o balde que trazia, gritava “DESPEJADOOOOOR”, e este corria para despejar o balde e assim não se perder tempo.
Lembro, também, como se transportavam as uvas da vinha para o lagar. Com carroças de tração animal, burro ou junta de bois, as uvas eram transportadas em dornas de madeira que haviam sido previamente embuchadas em água para que não vertessem. Na vinha, as uvas eram despejadas dos baldes para as gamelas de madeira, que depois eram transportadas à cabeça pelas mulheres até à dorna que se encontrava na carroça.

Depois da vindima feita, à noite, enquanto as mulheres faziam o jantar, era o momento de os homens entrarem no lagar e começar a pisar as uvas com os pés descalços. Este era um trabalho moroso, pois as uvas tinham de ser completamente esmagadas, o que levava o seu tempo. Para passar o tempo enquanto se pisava, contavam-se anedotas, faziam-se jogos, ou falava-se da vida. Recordo o jogo do malhal. Este consistia em andar ao ombro com uma prancha de madeira bastante pesada, ao mesmo tempo que se jogava ao “Juiz”. Este jogo era composto por uma lengalenga, “Na rua do Porto matou-se um gato, quem há-de dar conta dele é o Sr. Bilharquito …” Quem perdia o jogo tinha de pegar na prancha de madeira. Assim, a prancha ia passando de ombro em ombro. Jogava-se também ao 27. O objectivo era começar uma contagem do zero até ao vinte e sete, cada homem podia usar o número dois ou o três, o primeiro a jogar, como se começava do zero, dizia ou dois ou três, o seguinte somava ao valor dito pelo anterior mais dois ou três, e assim sucessivamente, o que ultrapassa-se o número vinte e sete, perdia e já não jogava no próximo jogo. O jogo terminava quando já só estavam dois em jogo e um deles passava o número e perdia.

Após a pisa e esmagamento das uvas, durante os dias seguintes, normalmente três a quatro dias, os homens voltavam ao lagar para mergulhar o vinho, isto era feito duas vezes ao dia. Como nos dias seguintes as uvas começavam a fermentação alcoólica, transformando os açúcares em álcool, as cascas das uvas vinham à superfície e o líquido ficava por baixo destas. Mergulhar o vinho não era mais que fazer com que as Cascas das uvas fossem mergulhadas na parte liquida que se encontrava por baixo. Dizia-se que quanto mais se mergulhasse o vinho, mais cor ele teria, daí alguns dizerem que iam dar cor ao vinho.

Ao fim deste processo, o sumo da uva, já transformado em álcool, era retirado do lagar e metido nos túneis de madeira, onde ficaria vários meses num novo processo de fermentação (fermentação maloláctica). Dizia-se que o vinho estava na mãe, enquanto não fosse trasfegado e retirada a borra.
Em todos estes processos, o agricultor, não fazia analises ao vinho. Vivia-se um pouco da sorte. Nalguns anos o vinho azedava e lá se ia o trabalho de um ano inteiro. Quando as coisas corriam bem, na maioria das vezes era isso que acontecia, os agricultores, em conversa na taberna, falavam dos seus vinhos para os amigos. Para se provar a qualidade, faziam-se umas visitas pelas adegas de cada um para se verificar a qualidade dos vinhos. Está visto que no final da visita vínica a alegria era muita entre os participantes. Nesta época, dava-se mais importância à quantidade produzida do que à qualidade. Dizia-se que determinada pessoa teve “x” almudes de vinho a mais que o ano anterior ou que o vizinho do lado.

O vinho foi sempre um produto muito importante na economia nacional. Durante o Estado Novo ficou celebre a frase: “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”. Cada um de nós pode interpretar esta frase à sua maneira, mas, naquela época, ela queria dizer que o vinho era muito importante na sociedade, pois dava trabalho, sustentava famílias, era um bem muito importante na vida económica e social do país. Quanto mais se consumisse mais se teria de produzir e assim mais famílias teriam trabalho.

Ao escrever este texto são tantas as recordações de momentos e de pessoas, algumas já falecidas, que recordo com tanto carinho. Pessoas que toda a vida viveram na terra e da terra, o seu único sustento era o que a terra lhes dava, quer fosse em géneros ou em dinheiro, fruto do seu trabalho. Pessoas humildes, sempre prontas a ajudar o próximo, que mais não ambicionavam do que viver o dia-a-dia com saúde e trabalho. No inverno, quando chovia muito, não havia trabalho nos campos, os dias eram passados em casa, na taberna a conversar com os amigos ou então a fazer alguma tarefa que pudesse ser feita debaixo de áreas cobertas, como rachar lenha, ou, para aqueles que sabiam outras artes, fazer peças de artesanato.

Hoje, os tempos são outros, as vindimas são feitas com métodos mais modernos, rápidos e eficazes. Deixou de se explorar a quantidade em detrimento da qualidade. O mercado assim o exige. Surgiram grandes casas agrícolas com adegas bem equipadas, com vinhas plantadas ordenadamente, com boa exposição solar, vinhas estas com castas seleccionadas para que o vinho seja de boa qualidade.


Actualmente, as vindimas, são feitas com métodos mais modernos, mais rápidos e mais higiénicos. Com isto, ganhou-se qualidade e tempo... perdeu-se o ambiente festivo e humano que as caracterizava. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O Orçamento de Estado para 2015

Ainda que seja apenas uma proposta de Orçamento de Estado, o que foi proposto, em pouco será mudado, isto porque, sendo o governo de maioria na Assembleia da Republica, só não será aprovado se assim não o quiserem.
Um orçamento, seja ele de que espécie for, é sempre um manual de boas intenções. Espero que este consiga passar das intenções à prática.